A última década produziu uma explosão de informações sobre os cérebros das crianças, com um número crescente de pesquisadores fornecendo dados relevantes neste campo. Minha pesquisa de laboratório centrou-se na aquisição precoce da linguagem e recentemente comecei a estudar o efeito provocado pela música no cérebro do bebê. Os resultados mostram que experiências básicas e aparentemente banais (como brincar de “peek-a-boo” – “Achou!”) podem alterar grandes e importantes áreas do cérebro e reforçar as habilidades que dependem dessas áreas.

O cérebro cresce muito rápido durante o primeiro ano de vida, quando suas diferentes zonas começam a se especializar em função das experiências vividas. A pesquisa em meu laboratório mostrou que, ao nascer, os bebês podem detectar diferenças acústicas finas entre todos os sons (consoantes e vogais) que distinguem palavras em qualquer idioma. No que se refere ao idioma, os bebês são “cidadãos do mundo”. No momento em que atingem 12 meses, no entanto, a exposição aos sons emitidos por seus pais e outros cuidadores causa uma grande mudança: o cérebro da criança começa a se especializar nos sons característicos de sua cultura e já não percebe aqueles que são usados apenas em outras línguas.

Por exemplo, a língua japonesa não usa os sons ‘r’ e ‘l’, enquanto o inglês os usa para distinguir palavras como ‘rake’ e ‘lake’. Conforme mostrado na Figura 1, os bebês americanos e japoneses discriminam os sons ‘r’ e ‘l’ aos 6-8 meses de idade, mas dois meses depois, entre 8 e 10 meses de idade, bebês americanos – que ouvem esses sons de seus pais – mostram um aumento na capacidade de discriminá-los, enquanto os bebês japoneses – que não ouvem esses sons – mostram uma diminuição dramática em sua capacidade de distingui-los. Esta importante mudança ocorre logo antes do primeiro aniversário da criança. Ele fornece a primeira evidência de que os cérebros dos bebês estão sendo moldados quando ouvem seus pais e os cuidadores falam com eles.

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Figura 1: Capacidade de distinguir fonemas / ra / e / la / de crianças americanas e japonesas aos 6-8 e 10-12 meses de idade. Fonte: Kuhl (2004)

Nosso laboratório foi um dos primeiros grupos do mundo a estudar o cérebro do bebê usando magnetoencefalografia (MEG). Conforme mostrado na Figura 2, a máquina MEG parece um secador de cabelo de Marte. Tem um capuz contendo 306 sensores que captam campos magnéticos refletindo a queima de neurônios no cérebro do bebê. Quanto mais neurônios que se ativam de forma sincronizada, mais atividade observamos. A máquina MEG é totalmente segura e não invasiva – mede de fora, como um estetoscópio. Também é totalmente silenciosa, o que permite que possamos reproduzir e registrar a reação do cérebro do bebê. Na foto, vemos a cadeira ajustável feita sob medida que usamos para que a cabeça da criança fique na altura dos sensores, em posição ideal para o exame.

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Figura 2: Bebê em uma máquina MEG durante a medição Foto: Patricia Kuhl, University of Washington Institute for Learning and Brain Sciences

Nós investigamos outra questão: os bebês podem aprender a distinguir os sons que ouvem nos vídeos da mesma forma que os sons que ouvem dos humanos? Para averiguar isso, expusemos dois grupos de crianças de 9 meses de idade a um idioma que não tinham ouvido antes (Figura 3a). Um grupo experimentou 12 sessões de brincadeiras coletivas durante as quais um falante da língua estrangeira lia livros e usava brinquedos. O outro grupo foi exposto ao mesmo material na mesma sala e num mesmo número de sessões, mas através de vídeo (Kuhl et al., 2003). Usamos então a máquina MEG para descobrir se os bebês tinham aprendido a distinguir os sons usados na linguagem desconhecida.

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Figura 3a: Exposiçao ao idioma estrangeiro. Fonte: adaptado de Kuhl et al. (2003)

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Figura 3b: Discriminação fonética em chinês mandarim. Fonte: adaptado de Kuhl et al. (2003)

Conforme mostrado na Figura 3b, os bebês que assistiram aos vídeos não aprenderam nada. Embora tenham observado atentamente a tela durante as sessões, eles não adquiriram maior habilidade para distinguir os sons em comparação ao grupo de controle que ouviu inglês durante o mesmo tipo de atividades lúdicas. Mas o aprendizado foi incrivelmente forte entre os bebês que ouviram a língua estrangeira de uma pessoa que interagiu socialmente com eles. Após apenas 12 sessões, sua capacidade de distinguir sons foi estatisticamente equivalente à das crianças do país estrangeiro que haviam sido expostas ao idioma por 10,5 meses.

Essa descoberta foi uma surpresa na época, porque os cientistas não davam muita importância às interações sociais durante os momentos do dia-a-dia. Apesar de serem consideradas vitais para o desenvolvimento social e emocional de uma criança, a ideia de que as interações sociais dos bebês com os cuidadores poderiam promover o desenvolvimento cognitivo era um dado ainda não aceito amplamente.

O cérebro do bebê e a música

Nos “períodos críticos” de desenvolvimento, o cérebro está configurado para “esperar” os estímulos do ambiente exterior. O cérebro do bebê é o que chamamos de “experiência-expectante”. Quando o ambiente fornece o tipo certo de estímulo no momento crítico, redes cerebrais se formam com base nessa entrada. Entre os 6 e os 12 meses de idade, o cérebro do bebê “espera” o idioma, e o espera em contextos sociais. Quando isso acontece, o aprendizado é extraordinário. Nossos estudos têm mostrado que as trocas verbais com bebês pequenos não só ativam as áreas do cérebro relacionadas à audição, como também as áreas que os bebês usam quando interagem e conversam socialmente – estabelecendo uma espécie de resposta de “saque e voleio” entre o pai e a criança.

Recentemente, uma estudante de doutorado no meu laboratório, Christina Zhao, se interessou pelos efeitos da música no cérebro do bebê. Christina é pianista, e queria saber se as experiências musicais em grupos sociais de brincadeiras fomentariam o desenvolvimento cognitivo em bebês. Devido a sua formação musical, ela imaginou que ocorreria algo além do que uma mera aprendizagem do sistema auditivo para detectar notas musicais.

Juntas nós desenhamos um experimento similar àqueles que eu havia conduzido sobre a aprendizagem de idiomas. Os bebês participaram de 12 sessões de brincadeiras em grupo entre 9 e 10 meses de idade, período em que seus cérebros estão aprendendo os sons da fala. Mas em vez de ouvir a narrativa de romance, eles foram expostos a um ritmo musical específico – a valsa em várias versões, do Danúbio Azul até “Take me out to Ballgame”. O estudo incorporou características que sabíamos ser críticas para o aprendizado infantil: a experiência era social, o estímulo sensorial era altamente variável, e os bebês e seus pais reagiam ao ritmo da música – os pais ajudavam os pequenos a acompanhar o ritmo batendo os pés ou as mãos, ou fazendo uso de baquetas e tambores. (Zhao and Kuhl, 2016).

Os bebês da mesma idade foram divididos aleatoriamente em dois grupos, um de intervenção musical e o outro como grupo de controle. As crianças do grupo de controle também foram reunidas em grupos de brincadeiras com seus pais em 12 sessões, onde brincavam com bumbos e baquetas, mas sem experimentar ritmos, nem ouvir música. Após as 12 sessões, os bebês de ambos os grupos foram testados na máquina MEG: tocamos uma nova valsa e, ocasionalmente, alteramos o ritmo, atrasando a nota esperada em uma fração de segundo para ver a reação de seus cérebros.

Nós esperávamos que as crianças do grupo musical mostrassem maior atividade neuronal nas áreas do cérebro que regulam a audição do que as do grupo de controle, mas ficamos surpresas ao ver que as crianças no primeiro grupo também mostraram atividade neuronal muito maior no córtex pré-frontal, que controla a atenção e a detecção de padrões. Isso indica que a intervenção teve efeito sobre uma área maior e mais relevante do cérebro, que é responsável por prever os padrões do ambiente.

Nós nos perguntamos se nossa intervenção musical melhorou a capacidade dos bebês de detectar outros padrões além da música. Então nós os testamos mais uma vez, usando um idioma que lhes era estranho, o japonês: criamos uma sílaba falsa para testar se os bebês perceberiam esse erro no ritmo da fala. Os bebês no grupo de música realmente mostraram maior atividade cerebral tanto nas áreas auditivas quanto no córtex pré-frontal: a experiência de seguir o compasso da valsa tinha melhorado sua capacidade de reconhecer padrões em uma língua estrangeira.

Os resultados indicam que quando os bebês experimentam estímulos com padrões auditivos, visuais ou táteis, eles não só treinam seus órgãos sensoriais (ouvidos, olhos e pele), como isso também ajuda a estabelecer a capacidade de detectar e prever padrões no mundo.

Por que a detecção de padrões é importante

Nós vivemos num mundo em que ninguém com certeza sabe o que virá na sequência. Se você pode prever o que vem a seguir, sua vida fica mais calma e você pode reservar recursos cerebrais para a criatividade. Quando você conhece o caminho para dirigir até o trabalho, a localização do supermercado e onde o banco está situado, sua mente fica liberada para pensar em algo mais emocionante, novo e criativo.

Da mesma forma é com os bebês. Quando eles aprendem padrões e rotinas, também liberam suas mentes para ações mais criativas. Acreditamos que as áreas cerebrais dos bebês que são responsáveis pela detecção de padrões são reforçadas com estratégias muito simples: quando tocamos música e as conduzimos no ritmo, ou brincamos de “peek-a-boo” (Achou!), repetimos os padrões uma e outra vez. Os bebês sabem que o “Achou!” virá e eles adoram essa rotina porque conseguem prever isso. Quando os bebês experimentam esses tipos de experiências esperam que o mundo seja racional, e começam a buscar padrões no mundo, o que é muito útil.

Podemos também imaginar a situação oposta – uma criança em um mundo que nem sempre é racional. Alguns mundos infantis são totalmente caóticos. O estresse tóxico é uma realidade: as crianças podem sofrer maus-tratos ou abandono, e suas casas serem completamente conturbadas. Elas não conhecem padrões rotineiros de brincadeiras nos quais podem prever com segurança o que virá depois. Tão pouco têm cuidadores que atuam de forma previsível quanto ao comer, brincar e banhar – atividades comuns que geram uma sensação de segurança e confiança. Talvez o que todas essas crianças possam conseguir prever é que, em algum momento aleatório, elas serão maltratadas ou se verão sozinhas. Este é um mundo completamente diferente para a criança, no qual esperamos um padrão de desenvolvimento cerebral muito diferente.

As primeiras experiências vividas têm grande peso porque dão origem a padrões. Acreditamos que esses padrões influenciam na arquitetura cerebral do bebê, e que o desenvolvimento inicial desempenha um papel importante no crescimento do cérebro e nas habilidades cognitivas da criança no futuro.


As referências podem ser encontradas na versão em PDF do artigo.

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