Os investimentos no desenvolvimento da primeira infância aumentaram em muitos países ao longo da última década, e com isso cresceu também o interesse em medir os progressos alcançados. Os dados sobre o desenvolvimento da primeira infância – como a qualidade dos serviços ou as estimativas do estado de saúde e nutrição das crianças pequenas – são cruciais para o desenvolvimento e reformas de políticas e melhoria dos programas em execução. Os dados são também um elemento-chave de responsabilização: como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), os países devem apresentar relatórios anuais sobre indicadores relevantes para o desenvolvimento da primeira infância.

No entanto, vários elementos do desenvolvimento da primeira infância criam desafios na construção de sistemas de dados eficazes. Como é melhor entendido em um quadro holístico, os sistemas de dados precisam contemplar vários setores, como saúde, nutrição, proteção infantil e social e educação. Precisamos garantir que os indicadores relevantes da primeira infância estejam integrados nos sistemas de informação e dados setoriais, e a coordenação entre esses sistemas de dados é um ponto crítico na construção de uma visão global abrangente da situação das crianças pequenas.

Mesmo com os melhores sistemas de dados existentes, pode ser um desafio usá-los para subsidiar diretamente as políticas e as práticas; os dados que são adequados para o monitoramento em nível populacional, por exemplo, podem não ser especialmente úteis em aspectos práticos. Com a atual limitação de financiamentos disponíveis para a primeira infância, os investimentos em dados devem ser equilibrados em relação aos investimentos destinados a outras áreas, como desenvolvimento profissional e para o suporte direto a programas. Finalmente, têm se dado mais ênfase até agora ao desenvolvimento de ferramentas de coleta de dados, do que propriamente no uso desses dados em em prol de melhorias e avanços.

Apesar desses desafios, há um progresso notável, com uma maior consideração de como os sistemas de dados podem ser projetados e a disposição de vários países em priorizar investimentos na produção de dados e medições relativos à primeira infância. Um reflexo desse avanço é a Rede de Ação para o Desenvolvimento da Primeira Infância (RADPI – ou Early Childhood Development Action Network, em inglês) descrita nesta edição de Early Childhood Matters (Questões da Primeira Infância). Entre as forças-tarefa criadas pela RADPI havia uma sobre informação, medição e responsabilização. O trabalho desta força-tarefa nos conduziu a várias observações:

  • Há uma demanda crescente por dados populacionais relativos ao desenvolvimento da primeira infância. Uma série de países de diferentes níveis de renda (baixa, média e alta) iniciaram medições de dados populacionais utilizando-se de várias ferramentas globais, regionais e nacionais. As ferramentas globais, projetadas para produzir dados comparáveis internacionalmente, incluem o Multiple Indicator Cluster Survey Early Childhood Development Index (MICS ECDI), uma avaliação domiciliar baseada no relatório do profissional de saúde e o Early Development Instrument (EDI), uma pesquisa de professores que avalia o desenvolvimento individual das crianças. As ferramentas regionais, projetadas para produzir dados comparáveis no nível regional, incluem os indicadores da East Asia Pacific Child Development Scales; e ferramentas nacionais, utilizadas principalmente em nível nacional, incluem as ferramentas de Measuring Early Learning and Quality Outcomes (MELQO). Mais e mais países estão optando por coletar dados sobre o desenvolvimento infantil, embora nem todos os países estejam fazendo isso rotineiramente. Um próximo passo é criar sistemas de monitoramento para coletar dados de forma rotineira e abrangente sobre múltiplos aspectos do desenvolvimento infantil.
  • O impacto máximo na política e na prática requer uma combinação de ferramentas. Por exemplo, os dados de monitoramento global revelarão padrões de equidade dentro dos países e entre eles. Os dados de âmbito nacional podem ser capazes de fornecer um conjunto mais abrangente de indicadores específicos para políticas nacionais. Os dados formativos podem ser efetivos em sala de aula, fornecendo informações aos professores sobre cada criança. A clareza nas prioridades quanto aos dados, bem como a finalidade e as limitações de cada tipo de dado, é um alicerce fundamental para um sistema de informações eficaz.
  • São necessários dados complementares, como os referentes às famílias, profissionais de saúde e ambientes de aprendizagem. A ênfase é frequentemente colocada na medição dos resultados das crianças, sem conexão explícita com os outros fatores que influenciam no desenvolvimento infantil. Os dados sobre os resultados obtidos com crianças podem ser mais impactantes e direcionáveis quando comparados com informações mais completas sobre as experiências que eles viveram, dentro e fora da casa. Por exemplo, a informação sobre os profissionais de saúde – incluindo os pais, mas sem se limitar a eles – muitas vezes não está disponível, apesar do papel claro que esses profissionais desempenham no apoio ao desenvolvimento das crianças pequenas.
  • As estratégias de medição devem refletir prioridades e práticas culturais. É preciso engajar múltiplos pontos de vista na definição do que deve ser medido e de como os dados devem ser utilizados. Isto é especialmente importante quando se considera usar os indicadores para o monitoramento regular dentro dos setores e entre eles. Por exemplo, países podem dar início a um processo de melhoria da capacidade de seus sistemas de dados convocando grupos de partes interessadas para realizar um balanço de quais dados estão sendo coletados, discutir prioridades para medições adicionais e gerar recomendações para modificar o conteúdo das ferramentas conforme necessário.
19.-26902626551_e318f964ed_o-700x487

Foto: Cortesia da Associação Red INNOVA

Rumo a sistemas coordenados e abrangentes

As Metas de Desenvolvimento Sustentável oferecem uma oportunidade de aproveitar o interesse crescente em medir o desenvolvimento infantil, e caminhar na direção de sistemas de dados que incluam uma visão mais ampla e abrangente do desenvolvimento da primeira infância. Criar uma visão holística do desenvolvimento das crianças requer sistemas de dados integrados que extraiam indicadores-chave de diferentes áreas.

Poucos países, incluindo os de alta renda, possuem sistemas coordenados e abrangentes necessários a incorporar completamente esse tipo de visão. A força-tarefa da RADPI propôs uma série de ações de apoio aos países para a construção de tais sistemas, incluindo a criação de um “quadro de indicadores da primeira infância” que pode ser usado como um modelo para os que estão interessados num sistema de dados coordenado.

Existe uma necessidade de desenvolver um sistema de informação integrado para crianças que descreva a provisão, a cobertura, a qualidade e a equidade nos serviços da primeira infância. Relatórios precisos sobre a equidade dos serviços são alcançados assegurando a representação de todos os grupos de crianças e famílias, especialmente para aqueles grupos que estão sub-representados em muitas pesquisas domiciliares existentes devido ao isolamento geográfico ou cultural.

As experiências de vários países com distintos níveis de renda podem servir de exemplo:

  • Nos EUA, o Departamento de Educação e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (2016) trabalharam em conjunto para apoiar os estados na implantação de sistemas de dados da primeira infância. As principais lições obtidas após vários anos de trabalho incluem: a importância de se iniciar com a definição de padrões para orientar o desenvolvimento de medidas; políticas claras de governança de dados que protegerão os direitos das crianças e das famílias; e esforços contínuos para construir capacidade à medida que os sistemas de dados são implantados.
  • No Peru, o Ministério da Educação em breve começará a coletar dados populacionais sobre o desenvolvimento da primeira infância e a qualidade dos ambientes de ensino pré-primário. Os dados piloto revelaram lacunas notáveis entre os padrões adotados para ambientes pré-primários e a prática real em muitas salas de aula. Os dados são utilizados para orientar a formação de professores e a criação de uma ferramenta de monitoramento contínuo para rastrear o progresso em direção à plena implementação de padrões.
  • No Azerbaijão, os sistemas de dados têm se empenhado nos últimos anos em acompanhar a diversidade da prestação de serviços de educação infantil. Existem vários fornecedores no país – públicos, privados, ONGs, além de uma diversidade de tipos e configurações de programas, como creches públicas que atendem crianças desde o nascimento até 6 anos, pré-escolas que atendem crianças de 3 a 6 anos, programas de atendimento integral e meio-período, e de preparação escolar de curto-prazo. Os provedores desses serviços não são todos de responsabilidade do Ministério da Educação, o guardião habitual do Sistema de Informações e Gerenciamento da Educação e por isso o sistema nacional de dados capta principalmente informações relacionadas as creches públicas. O país está examinando mais de perto os dados disponíveis e desenvolvendo um sistema de informação integrado para crianças que descreve a fonte de provisão, a cobertura, a participação, qualidade e equidade na educação infantil.
  • Na Tanzânia, o Ministério da Educação criou ferramentas localmente relevantes para medir o desenvolvimento infantil e a qualidade dos ambientes de aprendizagem para dar suporte a recente expansão das diretrizes curriculares para a educação infantil. O país está buscando também formas de apoiar a avaliação formativa em escolas de educação infantil e para isso está reexaminando seu sistema de avaliação de aprendizagem para garantir que ele seja eficiente no fornecimento de dados de aprendizagem nacionais nos momentos certos.

o Ministério da Educação criou ferramentas localmente relevantes para medir o desenvolvimento infantil e a qualidade dos ambientes de aprendizagem para dar suporte a recente expansão das diretrizes curriculares para a educação infantil. O país está buscando também formas de apoiar a avaliação formativa em escolas de educação infantil e para isso está reexaminando seu sistema de avaliação de aprendizagem para garantir que ele seja eficiente no fornecimento de dados de aprendizagem nacionais nos momentos certos


As referências podem ser encontradas na versão em PDF do artigo.

Chapters
Chapters
Países