A recessão econômica global que iniciou em 2008 teve impacto nas sociedades europeias, pressionando as finanças públicas e levando, como consequência, ao enfraquecimento dos sistemas de proteção social (Reinhart e Rogoff, 2009; Stuckler et al., 2009; Keeley and Love, 2010). Nos Países Baixos os cortes nos serviços de cuidados do Estado foram apresentados politicamente como parte de uma transição para uma “sociedade participativa”, mas na prática provocaram o aumento do isolamento de alguns grupos altamente vulneráveis. As parteiras e obstetras em Roterdã, a segunda maior cidade do país – e altamente multicultural – notaram um aumento no número de mulheres grávidas com problemas psicossociais e médicos complexos, como falta de moradia, pobreza, violência doméstica, abuso de drogas, abuso sexual e problemas de saúde mental.

Com base em um grande número de estudos internacionais também se pode concluir que essas mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade social têm um risco aumentado – principalmente relacionado à pobreza – de parto prematuro, de restrição do crescimento fetal, de um início abaixo do ideal para a criança ao nascer e maternagem inadequada. (Barker, 2007; Heijmans et al., 2008; van den Berg et al., 2009; Henrichs et al., 2010; Poeran et al., 2011; Seng et al., 2011; Timmermans et al., 2011; de Graaf et al., 2013; Quispel et al., 2012).

Esta situação exige uma rede integrada de assistência pré-natal, cruzando os domínios dos cuidados médicos e sociais e transpondo as gerações – não só visando melhorar as chances de vida das crianças, mas também abordar os problemas multidimensionais nas vidas de suas mães. Em 2014, o inovador escritório da “linha de frente” da cidade de Roterdã (ou Bureau Frontlijn em holandês), desenvolveu o Mães de Roterdã (MdR – Moeders van Rotterdam em holandês), juntamente com o Centro Médico Erasmus e com o apoio da Fundação Verre Bergen. O objetivo do programa MdR é proporcionar cuidados às mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade social até o segundo ano de vida de seus filhos(as), aumentando as chances de uma gravidez saudável e segura e um período pós-parto que possa proporcionar à criança um bom começo de vida.

As mães que trabalharam com seus tutores do MdR para melhorar sua situação, incluem Saana, que tem lutado para lidar com o idioma e o sistema legal dos Países Baixos desde que fugiu da Síria com o marido e dois filhos; Jennifer, de Gana, cujo tutor MdR a ajudou a encontrar não só um lugar para viver e uma vaga na escola para seu filho de 6 anos, como orientação para reestruturar suas dívidas; e Loes, que juntamente com seu parceiro trabalhou com seus tutores para superar problemas com drogas e para adotar hábitos saudáveis de alimentação e de sono.

O programa MdR conecta os domínios social e médico. Ele está dividido em três fases principais:

  1. assumir o controle visando resolver uma situação de crise grave,
  2. criar as circunstâncias para um vínculo seguro entre mãe e criança, e
  3. estimular as habilidades parentais da mãe, apropriadas para a fase de desenvolvimento da criança, e melhorar sua autonomia para participar ativamente da sociedade.

Além de problemas no campo social, o MdR se ocupa também dos riscos médicos: os prestadores de cuidados promovem um estilo de vida saudável com visitas regulares às parteiras da comunidade durante a gravidez, bem como visitas a um médico clínico geral ou obstetra quando ocorrem alguns sintomas; e visitas regulares aos centros de saúde preventiva que existem para monitorar a saúde e o desenvolvimento das crianças.

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Foto: Erik Godijn / Mães de Roterdã

A intensidade do MdR é inicialmente alta, com duas visitas domiciliares por semana, diminuindo ao longo do tempo para uma visita domiciliar a cada duas semanas. O atendimento é prestado por uma equipe de profissionais de serviços sociais e estudantes de terceiro ano em pedagogia e assistência social da Universidade de Ciências Aplicadas. O envolvimento de estagiários, com a supervisão adequada de profissionais, permite reduzir os custos do programa. Além disso, ele também pode servir para construir uma relação de confiança entre a mãe e a pessoa que a atende, uma vez que elas podem sentir que os estagiários são menos ameaçadores do que os profissionais médicos mais experientes.


A teoria da mudança do programa MdR

  • Se combinamos a avaliação do risco médico e social durante o início da gravidez, podemos identificar as mulheres e crianças que se encontram em maior situação de risco.
  • Se asseguramos a cooperação entre cuidados médicos e sociais, então podemos oferecer cuidados integrais e mais eficazes.
  • Se oferecemos cuidados personalizados de forma intensiva, podemos reduzir o estresse, melhorar a vida e as habilidades parentais e aumentar a autossuficiência.
  • Se reduzimos o estresse e as mulheres tornam-se autossuficientes, então melhoramos a probabilidade de que a criança nasça saudável, que estabeleça um vínculo afetivo seguro e se desenvolva melhor.
  • Se a criança nasce saudável e tem um bom desenvolvimento, isso aumentará a probabilidade de ela levar uma vida feliz e saudável.
  • Se as mulheres se tornam autossuficientes e aumentamos a probabilidade do desenvolvimento saudável das crianças, economizamos os gastos públicos e aumentamos as receitas fiscais.

Em 2016, iniciou-se um estudo de coorte prospectivo de quatro anos, que comparará os efeitos do programa MdR com o programa normal de assistência social do município de Roterdã sobre a autossuficiência. Esta comparação será julgada pelos seguintes fatores: a opinião do cuidador; a saúde mental da mãe, medida através de questionários sobre depressão, medo e estresse preenchidos por ela mesma; e o desenvolvimento infantil até 1 ano de idade, medido por um questionário de “idade e etapas”.

Enquanto isso, o programa Mães de Roterdã está gerando interesse por todo os Países Baixos quanto a seu potencial de ampliação da abordagem e sua replicação em outros lugares. A Fundação Bernard van Leer juntou-se como um parceiro de escala do programa, e o objetivo final é usar a iniciativa de Roterdã para desenvolver uma intervenção baseada em evidências que possa ser integrada aos métodos de trabalho existentes dos provedores dos serviços municipais locais, e assim expandir esse modelo para outras cidades no país.


As referências podem ser encontradas na versão em PDF do artigo.

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